A antropologia caída de Succession
Misture uma boa dose de mitologia, dramaticidade à lá Shakespeare e toneladas de acidez contemporânea. Essa certamente é a receita que o habilidoso showrunner Jesse Armstrong articulou para conceber e conduzir Succession - um marco na história da TV. Se ainda não assistiu, não espere por um drama descontraído (do tipo que te fará conferir o celular de cinco em cinco minutos).
A trama de Succession é tortuosa, o vocabulário e os personagens densos. Mas a história é contada com primor — e amargura. Se já assistiu, sabe bem do que estou falando. O incidente incitante da série se dá na expectativa de sucessão do império regido por Logan Roy, a Waystar Royco: um conglomerado de mídia e entretenimento multibilionário. Uma fábrica de espetáculos, notícias questionáveis e MUITO dinheiro.
Os filhos candidatos à sucessão: Kendall, ambicioso de personalidade quebradiça; Shiv, meticulosa e manipuladora (e seu marido Tom, enganosamente ingênuo); Roman, sarcasticamente incompetente, e Connor, supostamente imune à corrupção, mas igualmente decadente. As atuações são brilhantes. Os personagens, detestáveis. O espectador se vê encurralado em um ciclo de ganância, traição e cinismo. Ficamos sem opção, sem virtude pra se apegar — só vício.
Pode parecer que o ecossistema de super riqueza isola os personagens de nós, gente comum. Mas, não se engane. Succession, na verdade, fala sobre todos nós. Precisamos confessar: há resquícios de família Roy em nosso coração caótico. Longe do Éden, sempre há. No fundo, a Waystar Royco não é tanto sobre informação e entretenimento, e sim sobre monetizar a realidade: e espelhar este mundo consumista e consumível.
As tramas de Succession se desdobram de corações puxados por dinheiro e poder — como se fosse esse o nosso telos (propósito). Enquanto no cerne da antropologia de Succession está o coração humano movido pelo consumo e lucro impiedoso, na antropologia bíblica - sua visão de ser humano , está nossa natureza à imagem e semelhança do Criador.
Se Logan, a família Roy e a Waystar dizem que existimos para consumir e ser consumido, a Bíblia diz que fomos criados para adorar e servir - a Deus e sua criação, e uns aos outros. O evangelho é a boa nova contra-formativa para uma cultura de meios, mensagens e motivações caídas.
Publicado originalmente em 21 de agosto de 2023 (Instagram).