cartas do caminho // trilha 4: as forças que te formam
notas e conversas sobre Practicing the Way
Olá! você está na Cartas do Caminho, a newsletter sobre formação espiritual e discipulado aqui do LADO B.
Nesta caminhada, estamos refletindo a partir do livro Practicing the Way, de John Mark Comer, sobre estar com Jesus, ser como Ele e fazer o que Ele fez.
Para pensar 💭
Sobre ser quem você não queria ser 😶🌫️
Anos atrás, a poucas semanas do casamento, eu e a Lari estávamos conversamos no carro e por fim demos atenção a uma questão que todo casal, desde o início, deveria considerar — mais do que as centenas de dúvidas e preocupações às margens da vida a dois.
A questão: "O que das nossas famílias não queremos levar para a família que estamos formando?".
Pensamos ali em padrões de comportamento e práticas não saudáveis que por anos vivenciamos em nossos contextos de origem. Tudo o que desejávamos fazer de diferente parecia promissor: "Quando um conflito acontecer, precisamos refletir e conversar para buscar uma resolução", "Pedir desculpas é essencial" ou "Desde o começo vamos respeitar as diferenças um do outro."
Fomos acompanhados por amigos sábios e experientes, assistimos This Is Us e lemos O Significado do Casamento, do Tim Keller — TIM KELLER. O que poderia dar errado?
Com poucas semanas de casados já repetíamos os mesmos erros, vícios e teimosias que, com tanta boa vontade, tentamos rejeitar. Eu queria que, ao acordar, a Lari visse todos os dias um reflexo da compaixão e cuidado de Jesus. Mas viu (e continua vendo), um Bruno ansioso e ressentido. E assim por diante.
Formar uma família do zero — limpa das impurezas ancestrais — é um belíssimo horizonte. O problema? Já estávamos sendo formados. Sempre estamos.
E é sobre isso a nossa conversa de hoje. Por que viver com Cristo e como Ele demanda uma caminhada intencional de contra-formação?
Em Practicing the Way, John Mark Comer nos chama a atenção para três forças básicas que nos formam — ou deformam —: as histórias que acreditamos, os nossos hábitos e os nossos relacionamentos.
As histórias que acreditamos 🎬
Já comentei aqui no LADO B sobre o poder formativo das narrativas. Capturando a nossa imaginação e cativando nosso coração, as histórias que consumimos (e que nos consomem) tornam-se roteiros que regem grandes e pequenas decisões na vida diária.
Por que sou tentado a crer que mais dinheiro me trará mais felicidade? Por que sigo acreditando que a finalidade do casamento é o bem-estar afetivo? Por que tenho fé em que o meu sucesso sustenta a minha identidade? Pois é. Histórias.
A alternativa? Precisamos, em uma cuidadosa curadoria narrativa, ler as multidões de histórias ao redor (visíveis e invisíveis em tendências culturais e feeds de Instagram), à luz da grande história das Escrituras, o Evangelho.
Nossos hábitos 🛍️
"Somos pouco mais que o efeito cumulativo dos nossos hábitos", diz Comer. As coisas que fazemos fazem, discretamente, algo em nós. Desconfie da neutralidade dos seus hábitos. Você não gasta horas da sua atenção no celular diariamente por acaso. Não nos tornamos emocionalmente dependentes do nosso trabalho aleatoriamente. Não viramos consumidores compulsivos de repente.
E nem nos tornamos pessoas mais atentas, atenciosas e compassivas do nada. Sabedoria, amor generoso e senso de justiça não surgem num instante. Como um fruto que amadurece e uma longa caminhada, quem você está se tornando se dá em pequenos passos.
Nossos relacionamentos 🤝🏻
Para mim, o poder das piadas internas provam este ponto. Expor-se a outras pessoas significa tornar-se semelhante a elas. É o que acontece no ambiente familiar, no casamento, nas amizades e até no convívio despretensioso com colegas de trabalho.
Assimilamos — positiva ou negativamente — o vocabulário, os interesses e os trejeitos de quem está por perto. Não à toa a semelhança com Cristo passa pelo relacionamento com Ele.
Dado o poder visceral dessas forças formativas, John Mark Comer sugere que toda formação espiritual intencional é um processo de contra-formação. Pressupõe a atitude de não se conformar (Romanos 12.2, lembra?). Contra as correntes das narrativas culturais, dos hábitos e das relações que nos moldam, descobrimos pelo menos seis elementos para o discipulado intencional.
Ensino 📖
Por diversas vezes notei o receio das pessoas de transformarem a igreja numa "sala de aula". Para mim, pessoalmente, ansioso por indicar livros, compartilhar referências e refinar projetos de formação, isso sempre foi um desafio. Tentava me convencer de que, de fato, igreja não é para isso.
Contudo, com o tempo — e confrontado pela realidade — fui sendo lembrado do quão essencial o aprendizado ativo é para o Corpo de Cristo. Afinal, a vida com Cristo começa nas páginas de um livro.
Concordo, no entanto, que ensinar o caminho de Jesus vai bem além do acúmulo de informações. É mais sobre o que John Mark propõe: "reconfigurar nosso mapa mental para nos alinhar à sabedoria de Deus." (p. 103) Uma formação espiritual intencional envolve curar nossa imaginação contaminada.
As práticas 🙏🏼
É importante lembrar que nos tornamos quem nos tornamos pelo que fazemos, tanto quanto pelo que sabemos — o que ficou bem claro nas palavras de Jesus, no Sermão do Monte, por exemplo.
Richard Foster disse que a semelhança com Jesus vem mais do treinar do que tentar. Assim como um atleta habilidoso, um cozinheiro talentoso e um músico virtuoso, um discípulo descobre a vida abundante que Cristo promete quando, por um longo período, pratica a vida que Cristo viveu. E aqui estamos falando sobre disciplinas espirituais (falaremos bastante sobre elas mais para frente).
São exercícios do corpo e do coração que nos reabituam, nos levando dos hábitos automáticos do pecado para as virtudes do Espírito.
No livro Practicing the Way, John Mark Comer dá o exemplo da ansiedade:
Para a maioria de nós, ser instruído a viver sem ansiedade é como ser instruído a correr uma maratona. Simplesmente não conseguimos. Pelo menos, ainda não. Então, como viver sem preocupações? Bem, precisamos nos tornar pessoas que aprenderam a confiar em Deus tão profundamente que são livres do medo. Para isso, devemos treinar (ou reeducar) nossa mente e nosso corpo. Então, sim, ouvimos um bom sermão sobre Mateus 6 e... praticamos o sábado, reservando um dia inteiro para exercitar nossa confiança em Deus. E... passamos tempo no lugar secreto, onde depositamos todos os nossos medos aos pés de Deus. E... vivemos em comunidade, onde outros nos encorajam a confiar Nele. E... praticamos a generosidade para libertar nossos corações de amores vazios. E... assim por diante. Com o tempo, nossa ansiedade é gradualmente substituída por uma paz e uma confiança inabalável em Deus. (p. 108)
Comunidade ⛪️
Aprendizes de Jesus não andam a sós. Correr sozinho a estrada do discipulado é estar fadado ao fracasso. Afinal, em Cristo somos salvos da separação e para a comunhão, com o próprio Deus e uns com os outros. E, além disso, Jesus nos chama para participar de quem Ele é, da dança eterna da Trindade.
Se você está se tornando uma nova pessoa em Cristo, precisa de pessoas que te ajudem, exortando, encorajando, admoestando e abraçando. Precisa de pessoas nas quais você possa ver a vida de Jesus. O critério para a maturidade é o amor, lembra?
Vale recordar que a Bíblia, em diversos eventos e metáforas, reforça a natureza comunitária do discipulado. Desde o início, Deus está formando um povo. Este mesmo Deus nos adota como filhos e filhas em uma nova família. No recomeço da história, um grande banquete nos espera.
O Espírito Santo 🕊️
Isso muda tudo. Quando o assunto é formação espiritual cristã, não estamos falando de mais um projeto de desenvolvimento pessoal, como tantos que tem por aí.
Sim, por ser intencional, pressupõe-se iniciativa e dedicação perseverante. O que não é sinônimo de autonomia e de "correr do seu jeito". Como já dissemos, não é uma questão de força de vontade ou de boas intenções.
É o próprio Deus que sustenta a jornada que nos leva de encontro a Ele. O caminho pertence a Ele. As práticas do caminho de Cristo "apenas" desvelam o poder transformador além de nós mesmos.
Sem a profunda dependência do Espírito, seguiremos subjugados pelos falsos reinos que nos perseguem ao invés de desfrutar do Reino de paz, justiça e alegria que Ele faz fluir em nós (Rm 14.7). Nas palavras de John Mark:
A semelhança com Cristo em nosso ser interior não é resultado da aplicação correta de disciplinas espirituais, de encontrar uma "boa igreja" ou de dominar a técnica certa de viver. Ela é sempre um presente da pura graça. Você nunca trabalhará tão arduamente por algo em sua vida quanto pelo caráter semelhante ao de Cristo, e nada mais parecerá um presente tão imerecido. Esse é um paradoxo que você simplesmente precisa experimentar por si mesmo. (p. 111)
Nos tornamos quem fomos criados para ser e fazemos o que devemos fazer pela graça, um dom de Deus.
O tempo ⏳
Vivemos na expectativa de que as coisas mudem de repente. Que nós mudemos de uma hora para outra (e quando se trata de outras pessoas, ficamos ainda mais ansiosos). Saltos de maturidade acontecem e estão por aí. Porém, é mais sábio lembrar que amadurecer exige tempo — ou, como um amigo-pastor já disse, "tempo e mesa".
Escrevi sobre isso na última carta: a imitação de Cristo é o movimento mais longo e demorado de todos. Fora isso, ela requer de nós um tempo generoso para frutificar.
O sofrimento ❤️🩹
Isso mesmo. Nunca me esqueci do que Timothy Keller diz sobre o duplo poder do sofrimento (foi mal, não vou conseguir pegar a referência agora, mas está lá no Caminhando Com Deus Em Meio à Dor e ao Sofrimento). Ele ensina que o sofrimento pode nos tornar pessoas muito melhores ou muito piores do que somos — não nos deixa estagnados.
Talvez experiências do tipo nos façam mais empáticos e compassivos com aqueles que sofrem. Talvez ressaltem os nossos rancores e amarguras. Em outras palavras, sofrer pode nos tornar mais maduros ou nos estilhaçar por completo. As dores que tantas vezes evitamos a todo custo podem ser janelas para a liberdade, diz Comer.
Esses tempos difíceis de grande dor emocional, em uma reviravolta belamente redentora, têm o potencial — se nos abrirmos para Deus neles — de nos transformar em pessoas enraizadas e profundamente alegres. O sofrimento é a tristeza deixando o corpo. (p. 113)
Os momentos mais dolorosos das nossas vidas, se abraçados com coragem e dependência, são pontos de virada na estrada da imitação de Jesus, onde há vida de verdade.
Espero que esta conversa tenha edificado e enriquecido você, te desafiado a seguir no caminho da vida abundante. Estamos aqui para isso. E a gente se vê na carta que vem!
Antes, aqui está um trecho para guardar e algumas perguntas para pensar (e praticar) ao longo da semana:
Para guardar 🔑
Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem‑se pela renovação da sua mente, para que vocês experimentem a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. — Romanos 12:2
Para praticar 🎒
Audite seus hábitos: quais práticas diárias estão moldando você para mais perto — ou mais longe — da pessoa que Deus quer que você seja?
Avalie seus relacionamentos: quem tem exercido influência sobre você? Essas pessoas estão ajudando você a crescer? Como você pode cultivar amizades que te formem no caminho de Cristo?
Ressignifique o sofrimento: como você reage às dores imprevisíveis do cotidiano? E como você pode, ao invés de reativo, tornar-se intencional para descobrir maturidade?
Deus, obrigado porque a vida abundante que o Senhor oferece está disponível, está presente em Cristo. Em meio às histórias, hábitos e relações que nos formam e deformam, ajude-nos, pelo poder do Espírito, a trilhar o caminho de Jesus e nos tornar como Ele de modo intencional. E que não nos esqueçamos que é você a fonte e o sustento para sermos quem o Senhor quer que sejamos. Em Cristo, amém.
Se este texto te inspirou, te desafiou ou fez sentido de algum jeito, fica aqui o meu convite para você apoiar o meu trabalho. Escrevo para ajudar as pessoas, e você pode fazer parte disso.
Considere fazer uma assinatura paga no LADO B. Ou, se preferir, pode fazer um PIX de qualquer valor para brunommaroni05@gmail.com. 🫶🏻
Oi, Raíssa! 😊
É isso mesmo! Talvez a grande luta interior seja discipular, digamos, as nossas reações às situações da vida. É "fácil" planejar ações replicando os atos de Jesus. No entanto, esse método de copiar e colar acaba empobrecendo o discipulado.
Bem diferente de quando aprendemos não só a agir, mas a reagir como Jesus. Isso é um grande desafio, porque requer uma espécie de habilidade da alma para o improviso ao vivo.
Ou seja, viver como Jesus nas circunstâncias imprevisíveis do dia a dia. Acontecimentos, imprevistos e relações que vão demandar, por diferentes motivos, generosidade, paciência, perdão, hospitalidade, sabedoria...
E acredito que Deus conduz nossas pequenas histórias escrevendo em seus roteiros desafios que nos levarão à semelhança com Cristo. Afinal, Ele mesmo é quem conduz a nossa transformação. Graças a Deus por isso! 🙌🏻
Que texto abençoador! A parte sobre a prática me fez refletir bastante. Muitas vezes até sabemos a forma de agir que mais se assemelha à de Jesus, mas o nosso coração nos inclina a algo distinto. A partir da leitura do texto, fiquei pensando que essa prática envolve treinar novas atitudes diante de situações que nos desafiam até que, nesse processo, percebamos o nosso interior sendo modificado gradualmente.