de olhos abertos // ep. 4- beleza para respirar
+ histórias que eu vi por aí: White Lotus e Pisque Duas Vezes
Olá, amig@s! A edição de hoje da De Olhos Abertos, nossa revista de cultura e arte, é bem especial. Ela marca o início de uma nova série de reflexões para as próximas semanas.
Depois de termos conversado sobre o chamado criativo para os cristãos, a partir de agora exploraremos o papel da beleza na vida comum.
Quem vai nos ajudar nessa jornada é Wesley Vander Lugt, autor do belíssimo Beauty Is Oxygen: Finding a Faith that Breathes (Beleza é Oxigênio: Encontrando Uma Fé Que Respira).
Vamos?
Sobre uma teologia (prática) da beleza 🌱
Wesley Vander Lugt, com zêlo teórico (rico em referências) e um olhar poético, nos convida a desvendar a realidade da beleza e a nossa necessidade por ela. Este é, eu diria, um livro de teologia da beleza.
O trabalho de Lugt apresenta uma teologia prática da beleza para a vida contemporânea. Nos próximos episódios da De Olhos Abertos vamos conversar sobre o impacto da beleza para:
Uma existência em que a fé se torna difícil, mas desejada;
Uma existência ferida, em que a esperança soa absurda, mas se mantém vital;
Uma existência entediante, mas que anseia por amor.
*Aqui vamos pensar em arte como os artefatos que traduzem simbólica e materialmente a realidade da beleza. Beleza, lembremos, é um aspecto da realidade, não uma entidade abstrata. Em alguns momentos trataremos da beleza na arte especificamente, em outros vamos abordar outras expressões de beleza — tais como a natureza, a vida humana, etc.
Este livro propõe uma teologia da beleza, pois, para o autor é impossível defini-la sem recorrer à natureza de Deus e como Ele se revela. Dele proveem os feixes de beleza espalhados no cotidiano. Lugt diz:
A beleza é notoriamente difícil de definir, mas eu a entendo como traços da glória divina no mundo natural e na cultura humana, caracterizados por uma cativante plenitude de formas, experiências e ideias entrelaçadas. […] Acredito que toda beleza vem de Deus, pois foi Ele quem criou e sustenta este mundo. (p. 2-3)
"Beleza" é o tipo de termo que costuma ser jogada de um lado para o outro, sempre refém dos interesses e ideologias que a definem. Isto, ou, apenas desgastada pela noção de futilidade.
Em outras palavras, se reduz a um segredo filosófico inacessível ou luxos decorativos, sabe? Mas Lugt está interessado em nos mostrar porque e como a beleza é essencial para a vida, para a fé, esperança e amor, para respirar. Para a alma.
Dizer que a beleza é oxigênio não significa tratá-la como algo inanimado, um elemento impessoal da tabela periódica. Pelo contrário, a beleza é oxigênio porque, através dela, encontramos a força animadora de toda a vida. A beleza é oxigênio porque flui do sopro de Deus, o Espírito Criador. (p. 4)
Aliás, este é um dos aspectos que mais gostei no livro. Ou seja, como ele aproxima reflexões densas às experiências triviais, respeitando a complexidade do conceito de beleza, mas abraçando-a no cotidiano.
A beleza permeia nossa alma por meio de todos os sentidos. Ela brilha por cada fenda, soa através de cada silêncio, paira por cada rua, permanece após cada gole, irradia de cada superfície. (p. 16)
Falando em alma…
*Para a imaginação hebraica que perpassa o Antigo Testamento, "alma" — do original nephesh — significa "ser vivo e respirante". Não temos uma alma: somos alma (Sl 63:1; 103:1). O que diz respeito à nossa identidade e integral e à consciência do respirar. Isso nos faz, como diz Lugt, "seres respirantes capazes de sede da alma, louvor da alma, satisfação da alma, descanso da alma." Buscamos a fonte para a alma.
Um dos motivos pelos quais a beleza perde espaço no cotidiano é devido aos moldes pragmáticos da nossa cultura — sermos motivados e movidos pelo que é útil e otimizado. Sob essa visão, estar em contato com a beleza atrasa a eficiência utilitária. A rigor, é como se a arte, por exemplo, “não servisse para nada”.
Em resposta a essa tendência, muito se argumenta sobre a dignidade intrínseca da arte: que ela não precisa ser útil para ter valor. A contemplação por si só vale mais que a utilidade.
Algo próximo da ideia da arte não precisar de justificativa, sabe? Como diria Hans Rookmaaker. Importante lembrar que, com isso, ele não afirmava que “qualquer coisa” pode ser arte. Antes, que a beleza e a arte não precisam servir a outros fins (mercado, ideologias políticas, religião etc) para assegurar seu valor.
Certo. O valor da beleza e da arte vai além de suas funções. Lugt, no entanto, nos chama atenção para os papéis da beleza em nossa vida. Ou seja, ela é sim útil — e isso não é necessariamente um problema. Então, para o que “serve” a beleza? Com a ajuda do autor descobrimos que ela oferece:
Esperança robusta em meio aos traumas e sofrimentos ⚓️
Frutos de reconciliação e paz para uma sociedade quebrada por desigualdades e violência 🫂
Maravilhamento que invade um mundo claustrofóbico, alívio para os desencantados 🌅
Sentido para além de nós mesmos — ela te tira de si ❤️
Resumindo…
A beleza pode nos despertar para enxergar o mundo como ele é, ao mesmo tempo em que nos dá vislumbres de como ele poderia e será. (p. 26)
Nesta primeira conversa sobre uma teologia prática da beleza descobrimos porque e como a beleza impacta o nosso caminho cotidiano. Porque precisamos dela para respirar. No próximo episódio vamos pensar sobre os movimentos culturais e forças espirituais que tornam a vida contemporânea sufocante — e como a beleza pode subverter esse cenário.
Para pensar 💭
Onde a beleza tem espaço no seu dia a dia? Você percebe momentos em que a busca pela eficiência faz com que você ignore ou minimize experiências belas?
Como a beleza já te ofereceu esperança, paz ou sentido? Pense em um momento em que uma obra de arte, uma paisagem ou uma experiência estética tenha impactado sua vida de forma profunda.
De que maneira você pode cultivar um olhar mais atento para a beleza ao seu redor? Há algo que você poderia fazer para se abrir mais à arte, à contemplação e ao maravilhamento no cotidiano?
Histórias que eu vi por aí 🎬
Vamos para o nosso singelo espaço para updates e comentários sobre narrativas culturais que vasculhei nos últimos dias.
White Lotus, 3ª temporada 🪷
Aqui em casa somos fãs de White Lotus, que chegou ao seu terceiro ano. Até o momento apenas dois episódios foram lançados, mas já estamos na expectativa pelos desdobramentos dos absurdos da futilidade e o retrato mordaz que a série traz para os paraísos fugazes onde personagens nada agradáveis buscam refúgio (desta vez na Tailândia).
Ah! Em 2023 escrevi fazendo um exercício de exegese cultural a partir da série! Se quiser dar uma olhada. Veja o texto completo aqui.
White Lotus está disponível na Max.
Pisque Duas Vezes 👁️
Por fim assistimos esse thriller, estreia de Zoë Kravitz na direção. Com forte comentário social, o longa estrelado por Naomi Ackie (Frida) e Channing Tatu, (Slater King), usa a o suspense psicológico e a violência (quase nonsense) para tratar da opressão feminina, da manutenção de poder pelos privilegiados e, como tem sido tendência, zombar dos absurdos da vida dos ricos.
Apesar da escalada de tensão intrigante e interessante na primeira metade do filme, senti um desenrolar apressado no final. Mas, pensando na máxima de que as narrativas da cultura pop expõem ídolos culturais e os nossos anseios desorientados, essa história mostra com acidez o quanto buscamos poder — e o quão grande é o estrago, e vicioso o ciclo, quando ele está nas mãos erradas.
Pisque Duas Vezes está disponível no Prime Video.
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