DE OLHOS ABERTOS | Exegese Cultural: Adolescência
Sobre abismos geracionais, formação desintencional e o propósito da família
Acho que todo ano traz uma minissérie à primeira vista comum, mas imprevisivelmente expressiva — que faz muito barulho —, não é? Em 2024 tivemos Bebê Rena, por exemplo.
Quer dizer, nem tão imprevisíveis assim. Costumam ser histórias que tocam em aspectos desafiadoras da sociedade, e por isso capturam a atenção do público. Foi o que aconteceu com Adolescência.
A série narra a história de Jamie Miller, um adolescente de 13 anos acusado de assassinar uma colega de escola.
Porém, não é um true crime convencional. Ela foca mais nos motivos e desdobramentos desse fato — tanto sociais quanto psicológicos. Tudo de modo bastante realista, reforçado pela filmagem em plano sequência, que envolve o espectador na urgência e na tensão dos acontecimentos. É um drama familiar com profundas nuances psicológicas.
Como era de se esperar em uma produção que retrata a adolescência, a série mostra os riscos da juventude exposta aos ambientes digitais, indicando que a equação “estágio de fragilidade emocional + falsas promessas de pertencimentos” pode ter resultados críticos. Tanto pro mundo interno de um adolescente, quanto para seu entorno externo.
LADO B é um espaço pra gente pensar as histórias da cultura à luz da Grande História do Evangelho.
A adolescência digitalmente isolada
Em termos de diagnóstico cultural, a série apresenta uma juventude imersa em seus próprios códigos: incompreendida socialmente, à mercê de comunidades nocivas — como os Incels, homens que se sentem rejeitados por mulheres e desenvolvem ódio profundo por elas.
Esse movimento que cativa meninos socialmente marginalizados, deslocados afetivamente — em busca de um espaço para compartilhar angústias. A frustração retroalimenta percepções e atitudes agressivas.
Mudanças comportamentais e sociais na adolescência tendem a criar um abismo entre os adolescentes e a família — distância que se potencializa com a internet. A expectativa de que os nossos filhos estariam mais “seguros” recolhidos no mundo virtual é ilusória — “achávamos que ele estava seguro”.
Deformados pelas correntes da cultura
É uma série sobre perda da inocência, solidão, violência e rejeição e crises familiares. Não deixa de ser também uma drama sobre discipulado — em outras palavras, sobre formação espiritual.
Todos nós passamos, ao longo da vida, por um extenso, abrangente e vagaroso processo de formação espiritual, que se dá por uma complexa combinação de fatores (nossos relacionamentos, espaços que habitamos, hábitos, narrativas culturais). No entanto, alguns deles são intencionais, outros, desintencionais. Ou seja: estamos sendo formados por ondas de influências que não percebemos.
Tenho falado muuuito sobre isso na Cartas do Caminho, a newsletter de formação espiritual e discipulado aqui do LADO B.
Sendo conformados pelo que não é digno de conformidade, acabamos deformados. Jonathan Haidt, no riquíssimo A Geração Ansiosa, explica bem:
As redes sociais são, portanto, a máquina de conformidade mais eficaz já inventada. Elas podem definir o modelo mental do que é um comportamento aceitável para um adolescente em questão de horas, enquanto os pais talvez gastem anos em tentativas infrutíferas de fazer os filhos se sentarem direito ou pararem de choramingar. Os pais não têm como se aproveitar do poder do viés de conformidade, por isso com frequência não são páreo para o poder socializador das redes. Porém há uma importante estratégia de aprendizagem que vai além de copiar a maioria: identificar quem tem prestígio e imitar essa pessoa. — Jonathan Haidt, A Geração Ansiosa, p. 75
A nossa visão de família é capaz de determinar a cultura de um lar, e pode também nos ajudar a enfrentar transições que tendem a gerar desconexões.
O propósito da família
É comum nos preocuparmos com o que nossos filhos comem, o que e onde vão estudar ou o que devem “fazer da vida” em termos profissionais. Idealizamos filhos funcionais, confortáveis e realizados socialmente. Mas, quantas preocupações invisíveis deixamos de lado?
Adolescência é o tipo de história que é bela pela excelência criativa pela qual é contada, graças à fotografia, atuações e roteiro. Contudo, é triste, por representar uma realidade doída e desafiadora — presentemente, inclusive, nas casas de muita gente que viu e lamentou a jornada de Jamie, assim como lamenta a experiência de seus próprios filhos, distantes e isolados.
Eu só queria ser um pai melhor. Mas será que eu sou? — Eddie Miller, Ep. 4
Mas, histórias difíceis são oportunidades de reflexão e transformação.
E se em resposta ao drama da família Miller, famílias reais assumirem o compromisso de investir numa presença atenta, fortalecendo os laços mesmo durante as mudanças, praticar uma curadoria digital (não só limitando, mas reeducando o envolvimento nos ambientes virtuais) e, acima de tudo, fazendo uma curadoria do coração da família?
Assim acontece uma jornada de contra-formação, guiado ao propósito de um lar: ser um ecossistema que forma pessoas que amam — e se sentem amadas.
Caso não tenha visto, estou participando de uma série MUITO legal no canal do JesusCopy. Eu e o Douglas temos conversado sobre produções da cultura pop à luz do evangelho. Claro que não podia faltar essa série.
Então, se você, assim como a gente, pensou muitas coisas a partir dessa história, dá uma olhada lá no vídeo. Ah, e manda para mais pessoas que também assistiram essa série e gostariam de refletir sobre esse tema!
Você viu essa série? O que achou?
Obrigado por ter lido mais uma news do LADO B. É muito bom ter você aqui comigo, e espero que a gente continue refletindo juntos!
Seu texto é muito bom, parabéns!
Gostaria de acrescentar algo que me parece importante na perspectiva da formação espiritual (que eu acredito ser algo inerente a todo ser humano).
A série mostra como as instituições que atuam na formação espiritual atual estão falhando.
Família e escola são mostradas como fracassadas e perdidas no que diz respeito a formação espiritual. Elas não querem repetir os erros do passado, mas não conseguem dar conta de formar um capital moral significativo e com sentido para as novas gerações.
Ps: talvez possamos incluir a igreja nesta análise, apesar dela estar fora do escopo da série.
Além disso, a série também mostra a falência até da ciência, representada pela psicologia. Que de igual modo fracassa e fica perdida diante da realidade sem poder fornecer um sentido e significado satisfatório. Como também, não conseguir formar capital moral.
Portanto, o que para mim ficou claro foi a realidade fracassada que estamos vivendo. Porém, rapidamente o frenesi da série já passou, pois vivemos iludidos pela velocidade da correria “imposta” a todos, como a busca pela auto satisfação, autorrealização e do bem estar como fatores que prometem a vida plena.
Vivemos formados espiritualmente por vários ídolos que marcam nossa cosmovisão, mesmo daqueles que conhecem o Evangelho. E falo isso com pesar e tristeza.
Por isso, louvo ao Senhor por iniciativas e atuações como a sua e de tantos outros.
Paz!
Muito interessante seu texto, inclusive me lembrou algo que tenho refletido em minha comunidade local: somos discipulados pelo que observamos. A todo momento estamos sendo formados, dentro na de casa ou na internet.