Tive a alegria de participar de mais um encontro do Entre Amigos, iniciativa do meu amigo Zé Bruno, que há anos tem se conectado com pessoas literalmente do mundo todo para ter boas conversas.
Já havia participado de um episódio em que entrevistamos meu amigo Brett McCracken, que escreveu A Pirâmide da Sabedoria, e o gentil Calvin Seerveld, que aos 93 anos é uma das vozes mais importantes do diálogo entre arte e fé. Ele é autor, dentre outras obras, de Rainbows in a Fallen World e Normative Aesthetics.
E uma vez, generosamente, o Zé me chamou para falar do meu próprio livro, o Pós-créditos.
Nesta última recebemos, pela segunda vez, Makoto Fujimura no Entre Amigos. Mako é um renomado artista plástico nipo-americano, também referência na literatura sobre fé e arte. Dois de seus livros foram publicados em português: Arte e Fé: Uma Teologia do Criar e Cuidado Cultural.
Ah, um detalhe massa: enquanto a transmissão ainda não começava, fiquei responsável por receber Mako enquanto os demais amigos não chegavam. Em poucos minutos arranhei meu inglês e conversamos sobre viver no interior, encontrar referências nas artes visuais e sobre autores que gostamos.
Se você gosta do trabalho dele, se interessa pelo assunto ou simplesmente quer ouvir uma entrevista RIQUÍSSIMA, recomendo muito que assista. E sugiro também que dê uma olhada nestas pequenas anotações e reflexões que fiz a partir da conversa.
Da guerra ao jardim 🪴
Precisamos mudar as metáforas sobre arte e cultura. Cultura não é uma zona de guerra, mas um jardim a ser cuidado. Nossa pergunta ao criar deve ser: “isto é frutífero?”.
Os artistas, em vez de estarem na linha de frente das guerras culturais, precisam assumir a responsabilidade pelo cultivo generativo.
Beleza, justiça e esperança 🕊️
Se a beleza é vista e praticada como algo meramente decorativo e cosmético, ela perde seu potencial de transformação, torna-se incapaz de mudar o mundo.
No contexto japonês a beleza se conecta ao sacrifício e à morte, o que demonstra aproximações com o conceito bíblico — beleza como expressão do amor.
A beleza verdadeira é o que a justiça anseia ser. A justiça é incompleta se não tocar e restaurar o que é belo.
*Vale destacar que este é o tema de um livro que Makoto e sua esposa Haejin Shim, que é advogada, estão escrevendo juntos.
A beleza é um ato de resistência contra o trauma, para não sermos esmagados por ele. Tanto o resultado quanto os processos do fazer artístico geram restauração.
Artistas se deparam com o impossível e são capazes de criar em meio às trevas. A beleza duradoura surge apenas quando um artista se dispõe a encarar à escuridão. É um ato de coragem. Assim abre espaço para a justiça.
— Makoto Fujimura
Significa que a beleza sugere (ou alude, para usar um vocabulário de Seerveld) a possibilidade da esperança. E esta abre espaço para a justiça, por ter no horizonte a realidade da mudança.
Por que precisamos de justiça? Para corrigir algo que foi violado, algo belo que foi quebrado (seja uma pessoa, um relacionamento, uma criatura ou a natureza). O trabalho da justiça é pegar o que foi fraturado e criar algo em direção a um futuro mais belo e promissor. É sobre trazer de volta a humanidade à imagem de Deus.
É desafiador lidar com toda a complexidade de injustiças, mas podemos buscar um ecossistema de cuidado.
Quando a igreja abandona a arte 💔
Para este trecho, acho válido colocar aqui a pergunta que fiz na ocasião:
Em suas obras, tanto as artísticas quanto literárias, percebemos a espiritualidade não apenas como conteúdo, mas como ímpeto para o seu trabalho criativo — uma espiritualidade que sustenta a criatividade. Nesse sentido, como a imersão da igreja na arte e na criatividade podem contribuir para a formação espiritual dos aprendizes de Jesus?
Na boa arte, forma e conteúdo se conectam, se entrelaçam. Um artista pode começar com uma ideia, mas isso deve ser “encarnado” uma forma perceptível.
Makoto propõe uma questão à igreja: o que é o conteúdo e o que é a forma? Se Deus é beleza e verdade em si mesmo, e é o Criador de todas as formas, isso deve ser manifesto no que a igreja expressa ao mundo.
É provável que acusem a igreja de ser o nascedouro das guerras culturais — onde me sinto menos que humano. O primor artístico da igreja ficou para trás. A forma do amor não é mais manifesta. Significa que precisamos de artistas para devolver beleza ao mundo. Nesse sentido (da beleza inerente ao amor), todos nós somos artistas.
A arte e o meio do mercado 🎨
Mais uma vez, deixo aqui a pergunta que fiz:
Uma discussão perene no contexto artístico é a bipolaridade entre “arte vs. produto”, sendo que o primeiro representa o ofício criativo honesto e o segundo o resultado de dinâmicas midiáticas e comerciais. Muitos cristãos assimilam que a presença eficaz na cultura vem por este caminho — talvez por depositarem sua esperança no amplo alcance da mídia. Como preservar a integridade da arte enquanto a tornamos bem público para a sociedade? Você percebe esse desafio em seu trabalho?
Infelizmente a arte tem sido dominada por uma lógica de mercado transacional. Isso a tem exilado. Para Mako, o mais importante a compreendermos é que a arte não é uma commodity — é um dom para o mundo. Expressões artísticas se mantém ativas no mundo, perduram e preservam seu valor, quando concebidas como dádiva.
Criar arte para o mercado não é meramente ruim. Mas, fundamentalmente, a arte não será longeva se este for o objetivo final. Para que qualquer coisa ser duradoura, deve ser generativa (trazer algo novo ao mundo).
Novamente entrelaçando amor e beleza, ele ressalta que o amor não é transacional. É, por natureza, generativo. É capaz de doar-se ao mundo. Arte é amor. Uma maneira de amar a Deus, ao mundo e até a si mesmo. Existe beleza na autodoação.
Artistas são pessoas que resistem à mentira da confiança no mercado. O capitalismo em si não funciona sem os princípios fundamentais do amor, porque os ciclos transacionais encolhem gradativamente. Você recebe pelo que você pagou — nada mais. O sistema colapsa sem pessoas que produzem economia-dádiva.
O que o mercado quer — e precisa — é a dádiva da arte. O capitalismo em si não funciona sem os princípios fundamentais do amor, porque os ciclos transacionais encolhem gradativamente. Você recebe pelo que você pagou — nada mais. O sistema colapsa sem pessoas que produzam economia-dádiva. Se você cria apenas para vender — pelo produto final — sua curiosidade e criatividade ficam restritas.
A razão pela qual Mako cria e pinta é o amor: ele ama sua arte antes mesmo que uma obra surja. — Haedjin
Parar o momento ⏳
Por fim, Makoto nos convidou a refletir sobre os desafios e contribuições da arte na era acelerada e ruidosa em que vivemos — movida pela busca de produtividade e excelência.
Enquanto alguns consideram a arte como “perda de tempo”, ele sugere que, na verdade, ela cria tempo: acentua a nossa atenção ao momento presente. Por isso, cuidado cultural pressupõe a calma para parar e escutar.
Silêncio não é ausência de som, é plenitude de presença. — Makoto Fujimura
O que estou pensando 🧠
Pensei em adicionar esta seção em cada nova newsletter para compartilhar, bem rápido, o que tenho lido, ouvido ou apreciado de modo geral nestes dias.
Leituras do momento 📚
O maravilhoso e bom Deus: apaixonando-se pelo Deus que Jesus conhece (James Bryan Smith) — O primeiro livro de uma trilogia sobre “um currículo para tornar-nos semelhantes com Cristo”, mais uma leitura sobre formação espiritual, tema da newsletter Cartas do Caminho. Indicação do Pr. Denis Araujo.
A crise da narração (Byung-Chul Han) — uma análise, como de costume, aguda e certeira deste já conhecido filósofo contemporâneo. Ele explora como a sociedade atual tem perdido a capacidade de gerar e apreciar narrativas significativas. Ganhei num amigo secreto do ano passado!
Como criar histórias: um guia prático para escritores (Ursula K. Le Guin) — um clássico acessível e instrutivo de redação criativa, escrito por uma grande referência na contação de histórias. Tem me ajudado nos estudos sobre escrita e criatividade.
Três álbuns que me marcaram recentemente 🎧
Coisas interessantes 💡
Um post sobre o impacto cultural e comercial do quadro Tiny Desk Concert.
O sermão do último domingo na ComViver, sobre o propósito do casamento, exposto pelo meu amigo Pr. Guilherme Alves.
Notícias do LADO B 🗞️
Acompanhe a série “Beleza é oxigênio” na news De Olhos Abertos.
Leia a edição mais recente da news Cartas do Caminho, sobre o livro Uma Regra Comum.
Sobre este universo 🪐
Eu sou o Bruno, teólogo e escritor.
LADO B é um projeto autoral, um ecossistema criativo (que você também pode chamar de casa) onde compartilho as minhas descobertas, ideias e convido você a jornadas de reflexão.
Por aqui conversamos sobre cultura, arte e formação espiritual — e tudo mais envolvido nisso. Se gosta desses assuntos, está no lugar certo. E eu fico muito feliz de te receber!
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