Há espiritualidade em Euphoria?
Euphoria assusta quem procura na cultura vislumbres de verdade, bondade e beleza. Faz com que a gente reaja rápido às cenas explícitas e deixe para trás os anseios profundos do drama. Anseios traduzidos na estética atraente, experiência sensorial e força narrativa da produção — a fotografia neon e a trilha impressionantes, as personagens profundas, atuações intensas, a acidez, ironia e vulnerabilidade.
Mas há espiritualidade em Euphoria? Com sensibilidade, percebemos as dores, desejos e dúvidas que a história carrega. E onde há dúvida, há resquícios de espiritualidade. Puro Eclesiastes.
Rue (Zendaya), a protagonista, uma jovem de infância traumática, cínica e viciada, segue em uma jornada agostiniana errante — do coração que procura descanso, sabe? —, em uma busca cruel por sentido e satisfação, brigando pra ser quem não consegue ser: alguém que deseja amor mas vive em hostilidade, que vai do prazer resplandecente das drogas a um abismo escuro.
Como sugere o título de um dos episódios, "Toda a minha vida, meu coração ansiava por uma coisa que não posso nomear. Logo no início da trama Rue narra: "Este é o sentimento que eu tenho procurado por toda a minha vida."Mas o que fica quando a euforia fugaz se dissolve?
Das drogas à superexposição sexual e relações tóxicas, até onde somos capazes de ir para aplacar o peso das dores, ausência familiar, traumas, abusos, abandonos, culpa e solidão? Para o espectador atento, isso desperta mais uma indignação compassiva do que uma empatia complacente. Uma virtude sábia para uma cultura pop que retrata com beleza a feiura da realidade, denuncia fissuras e anseios que só a bela história do evangelho responde.
Publicado originalmente em 22 de agosto de 2022 (Instagram).