O que você vai ver neste artigo:
Sobre HIT ME HARD AND SOFT, novo álbum da Billie Eilish
Billie e o sentido de sua estética melencólica
O fenômeno e a relevância das sad girl pop
Por que a saúde mental tem sido pauta na cultura pop
O valor de ouvir canções tristes
Billie Eilish, depois dê se estabelecer (praticamente) de imediato no cenário pop, arrastar premiações e definir tendências, chega ao seu terceiro disco de inéditas, HIT ME HARD AND SOFT, sucessor de Happier than Ever.
O lado pop da melancolia
Mais uma vez ela entra em estúdio com seu irmão e produtor Finneas, cobiçado na indústria da música. Eilish não é a primeira, claro, mas sua ascensão veloz ao status de pop star marca muito das histórias que ela conta em suas canções. Não há grandes inovações em HMHAS. A jovem artista segue explorando territórios já descobertos tematica e sonoramente. O destaque, contudo, está na objetividade do repertório: ele é direto e claro no que propõe.
Thomas Smith, crítico da NME, escreveu:
"Hit Me Hard and Soft" é um retrato de quem ela é agora e de quem ela pode vir a se tornar.
E a própria artista disse em entrevista:
Todo esse processo tem parecido como se eu estivesse voltando a ser a garota que eu era [em 2019]. Tenho sentido luto por ela. Este não é um álbum sobre felicidade, mas há pelo menos vislumbres da experiência humana completa pela primeira vez.
E o que mais importa para esta reflexão aqui, novamente Billie confirma um aspecto curioso e singular do nosso momento cultural: o lado cool de estar triste. É interessante como Billie Eilish, desde o início da carreira, ainda na adolescência, incorpora e importa para a cena do entretenimento uma contra-tendência em relação à imagem das divas pop. Certamente daria para desdobrar um estudo enciclopédico sobre a semiótica dessas personagens tão significativas para a cultura popular, mas quem sabe em outro momento. O foco aqui é que Billie imprime em sua estética (visual ou musical) — ou melhor, performa — um papel melancólico.
As sad girl pop e as canções que ressoam
Papel que diz muito não apenas sobre o perfil da artista, mas a nosso respeito, o público que a escuta. Enquanto as divas pop do final da década de 1990 até meados de 2010 focavam, além do apelo à sensualidade, em um tipo de euforia adolescente (basta lembrar de Katy Perry), Eilish pressiona esse contexto propondo canções introspectivas, soturnas e até sombrias — o que alguns críticos têm chamado de "sad girl pop".
São melodias dramáticas, temas densos (relações falidas, crises existenciais, pressões sociais) e uma sonoridade, que viajando entre diversos gêneros (do trance ao pop rock), tece uma paisagem lúgrube. Que, no fundo, representa as percepções e emoções da artista.
O que é certeiro. Billie Eilish faz bem o que é uma virtude e um pré-requisito da música pop: ressoar com o coração do público. Supostamente, a melancolia pop combina bem com a condição da nossa cultura.
Isso é uma pista para a pergunta que uma amiga me fez recentemente: "Por que Billie Eilish faz tanto sucesso entre as adolescentes?".
No artigo The Psychology of "Sad Girl" Pop Ilana Kaplan explicou:
Há um clichê sobre o pop, de que ele representa um afastamento da realidade, um mundo de fantasia escapista onde os ouvintes podem deixar seus medos e ansiedades em uma visão de 'Teenage Dream' de Katy Perry ou 'We Are Young' do fun.", diz Nate Sloan, apresentador do Switched on Pop e professor assistente de musicologia na USC Thornton School of Music. Mas os ouvintes modernos — especialmente os jovens — estão rejeitando esse paradigma, celebrando artistas como Billie Eilish, Halsey e girl in red, que não fogem dos problemas do mundo, mas os sublimam em sua música.
Saúde mental nas pautas da cultura pop
É claro que não há nada de inédito em cantar canções tristes. De fato, há beleza e significado no lamento. Ele é parte essencial da arte, desde o saltério hebraico, passando por Sinatra até chegar nas estrelas pop com boas doses de inconformismo. Sem contar que tendências pop costumam ser cíclicas. Billie, no entanto, é fruto (e até símbolo) de uma geração bem mais atenta e afeita a nuances e tensões emocionais do que as anteriores. Saúde mental virou matéria-prima recorrente no mercado pop. Não é segredo que estamos emocionalmente falidos — e que aparentemente não há mais medo de se confessar isso. Pelo contrário.
Mais do que gerar crises de identidade, fissuras emocionais têm se tornado afirmação de identidade. Em outras palavras: um script para narrar quem você é — "você é o que você sofre". Em um artigo para a Christianity Today, Benjamin Vincent disse:
Essa mudança significa que os jovens estão muito mais dispostos a falar abertamente sobre os desafios mentais e emocionais que enfrentam e os fardos que carregam. Essa abertura pode (frequentemente) tomar a forma de autodepreciação sarcástica, mas ainda assim representa uma vulnerabilidade crescente que pode ser um ponto de partida para conversas mais honestas –- o que pode ser uma oportunidade para compartilhar o evangelho.
O lado sombrio dessa mudança, no entanto, é a sensação de paralisia que frequentemente a acompanha. Quanto mais você atribui seu senso de identidade às suas experiências negativas passadas, menos parecerá possível ter esperança de uma mudança significativa no futuro.
Não diria que isso "explica" fenômenos como Billie Eilish e o pop melancólico contemporâneo, mas o esclarece. Faz sentido. Cantar sobre as nossas crises existencias pode ser terapêutico e chega a ser redentivo, mas é preciso cuidado com a simplificação pop da psicologia. A melancolia pop faz um ótimo papel de diagnóstico, mas não cumpre a função de cura.
Guia de sobrevivência para canções tristes
O que fazer num mundo de canções tristes? A premissa óbvia é ouvi-las. Ouvi-las com transparência, empatia e — agora um elemento que costuma faltar nesse conjunto — esperança. Como vimos, é uma porta de entrada para conversas mais honestas. Um bom sinal em meio ao universo pop que tende a ser plástico e escapista. Além disso, canções do tipo são um convite para treinarmos algo que bons artistas costumam fazer bem: ler a si mesmo. Todavia, dar um passo a mais: ao ler a si mesmo reconhecer que nem todas (ou quase nenhuma) as respostas estão em você.
Uou!
isso foi absolutamente fantástico, meu irmão. obrigada!