Com os filmes do Oscar chegando aos streamings vem a ótima oportunidade de explorar os temas e tensões que as artes tem lidado hoje. Alguns deles são permanentes.
A beleza está no horror
Zona de Interesse, dirigido por Jonathan Glazer, concorreu na categoria de melhor filme, venceu como melhor filme estrangeiro e ainda disputou roteiro adaptado e som (singular para a história, inclusive). É o tipo de filme belo pela refinada exposição que faz do horror.
A trama segue a família do comandante Rudolf Höss em sua busca por uma vida paradisíaca. Ao lado da espaçosa casa com jardim colorido, piscina e crianças se divertindo, contudo, está o complexo de Auschuitz, comandado exatamente por Rudolf. Sem apelar para o drama explícito dos dramas de Segunda Guerra que retratam o holocausto, Zona de Interesse se ocupa em retratar o mal hospedado em casa, na rotina de uma família descolada da realidade que está do outro lado do muro.
O problema é outro
Assim, o longa articula o conceito amplamente discutido por Hannah Arendt, filósofa judia do século XX. Arendt, escrevendo logo após os estragos da ascensão e queda do Nazismo, argumentava o mal desse evento histórico específico e de outras crises humanas não residia exatamente nos protagonistas políticos e militares à frente das operações totalitárias. Estes eram, na maioria, homens tão preocupados com a disputa de cargos burocráticos quanto com os compromissos ideológicos em jogo.
O grande problema, dizia Harendt em seus escritos (e o diretor por suas câmeras) está na insensibilidade ordinária daqueles não lamentam e sofrem com o que clama por lamento e sofrimento. Aqueles para quem o som dos tiros e do choro são só mais um barulho comum.
Como boa obra de arte, Zona de Interesse descortina com densidade e zêlo estético o que há de pior em nós. É um filme incômodo.
Têm ouvidos, mas não ouvem
Ao contrário de outras histórias, nesta não vemos violência explícita e diálogos expositivos. Não vemos o que acontece do lado de lá do muro — mas você sabe o que acontece. Por isso o trabalho fotográfico e fonográfico são tão importantes. A textura sonora especialmente. Ela que nos faz experimentar não tanto a distância geográfica da família Ross em relação ao sofrimento, mas seu abismo existencial.
Assim como os deuses falsos, a falsa humanidade também tem ouvidos mas não ouve.
Quem somos nós em Zona de Interesse? Calçar os sapatos de personagens desumanos é extremamente incômodo, mas esta é uma das maneiras pelas quais, através da arte, nos traz de volta à plena humanidade. Todos os dias nos preocupamos mais com brilho das flores, a área útil do nosso quintal e a perfeição da nossa carreira do que com a dor que está ao lado. Nós e nossas sutis futilidades. E esse é o caminho até que venha uma boa-nova incomum que derruba o muro da indiferença
E ela de fato veio. Um dia colheremos os frutos das sementes de esperança espalhadas pela terra arrasada do sofrimento. Até lá, que este filme e tantas histórias nos ensinem a ver o mundo com mais lucidez — e ouvi-lo sem indiferença.